VI Domingo do tempo comum - Ano A
"Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus.”
Mt 5, 20
Este ano entrou o Sermão da Montanhas no nosso ritmo dominical supondo que
conhecemos a porta das Bem-aventuranças (como celebrámos a Apresentação do Senhor,
saltámos as leituras desse domingo). E há o perigo de esquecê-las nestes domingos
em que Jesus vai mostrando a diferença entre “o que foi dito aos antigos” e o “porém eu
digo-vos”. A lei de Israel era conhecida e bastante clara, os seus limites estavam bem
demarcados. Mas quando Jesus fala de pobres que herdarão o Reino dos céus, e
humildes que possuirão a terra, e ter fome e sede de justiça, percebemos que os
nossos limites serão sempre estreitos diante do coração de Deus. De que adiantam
limites que são becos sem saída e preceitos que só servem para condenar?
Philomena Lee é uma mulher irlandesa de oitenta anos que, passados cinquenta anos
de ter dado à luz um filho (fruto de uma relação adolescente que originou o desprezo
da família e de uma instituição religiosa que a acolheu e acabou por “vender” o filho a
uma família norte americana) tem um desejo mais forte de o encontrar (depois de
inúmeras buscas junto das religiosas que tudo fizeram para impedir esse encontro).
“Philomena” é o belíssimo filme de Stephen Frears que sintetiza essa procura e
encontro. A 5 de Fevereiro passado esta mulher esteve na audiência do Papa
Francisco e foi apresentada ao Papa: “sempre tive uma profunda fé na igreja e na sua
vontade de reparar os erros cometidos no passado”, disse na ocasião. Com beleza e
coragem o filme é duro para uma realidade eclesial que tem tão pouco a ver com o
evangelho de Jesus, porque a estreiteza das mentalidades e a maldade não
desaparecem com nenhuma água benta. Quando a desumanidade se veste de
religiosidade cometem-se crimes impensáveis e a justiça implica sempre uma
purificação que só a verdade pode fazer.
É à verdade de cada um e dos seus actos que as palavras de Jesus se dirigem. A verdade
de um culto que pode esconder indiferença ou “pequenas e grandes guerrinhas” com
os irmãos; a verdade de relações de “amor” onde a violência, o uso e abuso dos mais
fracos, a irresponsabilidade pelo nascimento e morte de vidas (100.000 abortos no
ano de 2012 no nosso país quer dizer o quê?) acontecem como se fosse tudo normal;
a verdade de nos preocuparmos com os escândalos e dramas explorados até à exaustão
pelos mass-media mas, quando as audiências se cansam, ninguém reparar que pouco
foi mudado. Sim, a verdade de um Deus que ama a humanidade e se preocupa connosco
implica que toda a justiça comece pela verdade. E que a verdade possa ser ocasião de
salvação e não de destruição!
P. Vítor Gonçalves
in, Voz da Verdade
A liturgia de hoje garante-nos que Deus tem um projecto de salvação
para que o homem possa chegar à vida plena e propõe-nos uma reflexão sobre a
atitude que devemos assumir diante desse projecto.
- Na segunda leitura,
Paulo apresenta o projecto salvador de Deus (aquilo que ele chama “sabedoria de
Deus” ou “o mistério”). É um projecto que Deus preparou desde sempre “para aqueles
que o amam”, que esteve oculto aos olhos dos homens, mas que Jesus Cristo revelou
com a sua pessoa, as suas palavras, os seus gestos e, sobretudo, com a sua morte na
cruz (pois aí, no dom total da vida, revelou-se aos homens a medida do amor de Deus e
mostrou-se ao homem o caminho que leva à realização plena).
- A primeira leitura
recorda, no entanto, que o homem é livre de escolher entre a proposta de Deus (que
conduz à vida e à felicidade) e a auto-suficiência do próprio homem (que conduz, quase
sempre, à morte e à desgraça). Para ajudar o homem que escolhe a vida, Deus propõe
“mandamentos”: são os “sinais” com que Deus delimita o caminho que conduz à salvação.
- O Evangelho
completa a reflexão, propondo a atitude de base com que o homem deve abordar esse
caminho balizado pelos “mandamentos”: não se trata apenas de cumprir regras externas,
no respeito estrito pela letra da lei; mas trata-se de assumir uma verdadeira atitude interior
de adesão a Deus e às suas propostas, que tenha, depois, correspondência em todos os
passos da vida.
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