V Domingo de Páscoa - Ano A
"Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao pai senão por Mim.”
Jo 14, 6
Estar a caminho é uma das melhores definições do ser humano. Precisamente porque abre para um “vir a ser” que nenhuma meta pode esgotar. E em algumas vezes que penso no Céu, vejo-me sempre a desejar que essa meta não esgote a dimensão de surpresa e novidade que os caminhos têm, que o encontro face a face com Deus seja entrada num dinamismo inimaginável e feliz. Gosto por isso de andar à descoberta, de resistir à tentação do GPS (que é a de fazer chegar rapidamente à meta assinalada), de aceitar que mesmo quando nos perdemos se fazem descobertas. Como esquecer que nós, os cristãos, antes de assim sermos conhecidos, éramos chamados “os do Caminho”, como conta os Actos dos Apóstolos?
Têm muito pouco de mapa as palavras de Jesus que os evangelhos nos oferecem. E muito menos de manual de instruções. São mais instruções para o caminho, apetrechos para colocar na mochila da alma, a usar em diversas circunstâncias. Quando a vida é demasiado mapeada (pelas expectativas de uns ou normas de outros, por critérios de segurança ou de sucesso, por formatação e rotulagem), gera-se indiferença, desencanto, e até insegurança e medo. Nenhum mapa pode substituir a experiência pessoal, como nenhuma visita virtual a Paris ou à selva amazónica podem dizer que já lá estivémos. Não conhecem a história do famoso explorador que acabou por destruir o magnífico mapa que fizera, por insistência de todos, a desenhar a sua expedição na selva? Sim, queimou-o, porque, de tanto o verem, muitos pensavam que também lá tinham estado. Não pode isto pode acontecer com o amor?! E também com a fé?!
Na despedida Jesus anima os discípulos. Insiste em que se libertem do medo. E apresenta-se como caminho. Caminho porque caminhante, a pedir ousadia para descobrirmos, para “darmos corda aos sapatos”, e não ficarmos a ver a vida a passar. Ele é o caminho que fazemos por dentro, nos muitos caminhos que fazemos por fora. Tantos quantas as pessoas, mais retos ou mais curvos, mais escarpados ou mais suaves, nenhum caminho se faz sem nós. Apresenta-se como verdade. Verdade que se oferece como a beleza das flores dos jacarandás, e os azuis e verdes do mar. Verdade humilde que se partilha e não envaidece nem condena. E diz também que é a vida. Mais forte que todas as mortes, sempre a criar e a recriar, oferecendo-se em totalidade.
Curiosamente, quando os caminhos pessoais já não procuram o caminho que é Jesus, as verdades dos outros passam a relativas e as nossas tornam-se absolutas, e a vida se torna “vidinha”a proteger e salvaguardar, começa a ver-se no rosto e a ouvir-se nas palavras. Espalhamos infelicidade e comunicamos insatisfação. Oferecemos mapas falsos. Torna-se difícil ver o Pai. Andamos perdidos no convencimento de que só nós é que estamos certos! Julgamos que caminhamos mas, de facto, estamos a afundar-nos! Livra-nos, Senhor, da agitação do pião!
Pe. Vitor Gonçalves, in Voz da Verdade
A liturgia deste domingo convida-nos a reflectir sobre a Igreja – a comunidade que nasce de Jesus e cujos membros continuam o “caminho” de Jesus, dando testemunho do projecto de Deus no mundo, na entrega a Deus e no amor aos homens.
- O Evangelho define a Igreja: é a comunidade dos discípulos que seguem o “caminho” de Jesus – “caminho” de obediência ao Pai e de dom da vida aos irmãos. Os que acolhem esta proposta e aceitam viver nesta dinâmica tornam-se Homens Novos, que possuem a vida em plenitude e que integram a família de Deus – a família do Pai, do Filho e do Espírito.
- A primeira leitura apresenta-nos alguns traços que caracterizam a “família de Deus” (Igreja): é uma comunidade santa, embora formada por homens pecadores; é uma comunidade estruturada hierarquicamente, mas onde o serviço da autoridade é exercido no diálogo com os irmãos; é uma comunidade de servidores, que recebem dons de Deus e que põem esses dons ao serviço dos irmãos; e é uma comunidade animada pelo Espírito, que vive do Espírito e que recebe do Espírito a força de ser testemunha de Jesus na história.
- A segunda leitura também se refere à Igreja: chama-lhe “templo espiritual”, do qual Cristo é a “pedra angular” e os cristãos “pedras vivas”. Essa Igreja é formada por um “povo sacerdotal”, cuja missão é oferecer a Deus o verdadeiro culto: uma vida vivida na obediência aos planos do Pai e no amor incondicional aos irmãos.
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