Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo - Ano C
“Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo.”Lc 23, 37
“Senhor, que eu possa trazer mais um!...” Esta é a prece de Desmond Doss, o protagonista de “O Herói de Hacksaw Ridge”, o novo filme de Mel Gibson, no meio da sangrenta batalha de Okinawa. Trata-se da história real deste objector de consciência que participou na II guerra mundial, sem pegar em nenhuma arma, e nessa batalha tratou e salvou 75 camaradas feridos tirando-os da frente de batalha. Foi o único soldado condecorado pelos Estados Unidos sem ter disparado um tiro e recusou até à sua morte (em 2006) que se fizessem filmes sobre ele. Mel Gibson, num retrato violentíssimo sobre a guerra, descreve o seu exemplo de fé e determinação: “Quero ir à guerra para salvar os que puder!” diz a dada altura do filme Desmond Moss.
Perante toda a espécie de violência nem sempre pensamos as nossas reações. Luta, fuga, medo, vergonha, desespero, indignação... tudo é possível. Sabemos que a natureza comporta violência: as estrelas explodem, os planetas colidem, há terramotos e vulcões, tempestades e secas, e tudo parece fazer parte da vida em transformação. Que bom termo-nos libertado das ideias (talvez alguns ainda não!) de deus ou deuses vingativos com os desvarios da humanidade, a enviar cataclismos da natureza como castigo. Assim foi o triste exemplo de um padre italiano que afirmou serem os recentes terremotos no centro de Itália um castigo de Deus pelas “ofensas à família e à dignidade do casamento, em particular através das uniões civis dos casais gay”. Isto sim é violência gratuita e ofensiva!
É indescritível a violência de qualquer guerra e ainda recentemente o filme português “Cartas da Guerra” de Ivo M. Ferreira, baseado na correspondência do escritor António Lobo Antunes com a sua mulher, a mostrou com dureza e beleza. Não podemos fechar os olhos a tantas violências bem próximas de todos, mas o que marca verdadeiramente a diferença é o desejo de “salvar quantos pudermos”. Tão oposto ao “salva-te a ti mesmo” que Jesus crucificado ouve por três vezes. Os chefes, os soldados e um malfeitor, na violência do calvário, são porta-vozes da tentação começada no deserto: viver para si e por si, ser o centro do mundo, usar todo o poder em proveito próprio. Mas Jesus vive com o Pai e o Espírito Santo, e o seu amor é transbordante; quer chegar a todos, a mais um..., mais um..., sempre mais um. Assim, na cruz, Jesus promete o Paraíso ao mais inesperado dos pedintes, o ladrão “que roubou o paraíso”, como comentou S. João Crisóstomo, acrescentando: “Ó admirável malfeitor! Viste um homem crucificado, e proclamaste-o Deus!”
Culminamos o Ano da Misericórdia na festa da realeza de Cristo, o Deus connosco a “entrar” em todas as “guerras” humanas para salvar todos, e sempre “mais um”. Este “um” é cada um de nós e também os que encontramos em perigo. Não esqueçamos a feliz imagem do Papa Francisco a comparar a Igreja a um “hospital de campanha”: “Essa é a missão da Igreja: curar as feridas do coração, abrir portas, libertar e dizer que Deus é bom, que perdoa tudo, que é Pai, é terno e nos espera sempre.” Quantos continuam sem ouvir isto?
Padre Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
A Palavra de Deus, neste último domingo do ano litúrgico, convida-nos a tomar consciência da realeza de Jesus. Deixa claro, no entanto, que essa realeza não pode ser entendida à maneira dos reis deste mundo: é uma realeza que se exerce no amor, no serviço, no perdão, no dom da vida.
- A primeira leitura apresenta-nos o momento em que David se tornou rei de todo o Israel. Com ele, iniciou-se um tempo de felicidade, de abundância, de paz, que ficou na memória de todo o Povo de Deus. Nos séculos seguintes, o Povo sonhava com o regresso a essa era de felicidade e com a restauração do reino de David; e os profetas prometeram a chegada de um descendente de David que iria realizar esse sonho.
- O Evangelho apresenta-nos a realização dessa promessa: Jesus é o Messias/Rei enviado por Deus, que veio tornar realidade o velho sonho do Povo de Deus e apresentar aos homens o “Reino”; no entanto, o “Reino” que Jesus propôs não é um Reino construído sobre a força, a violência, a imposição, mas sobre o amor, o perdão, o dom da vida.
- A segunda leitura apresenta um hino que celebra a realeza e a soberania de Cristo sobre toda a criação; além disso, põe em relevo o seu papel fundamental como fonte de vida para o homem.