II Domingo da Quaresma - Ano A

23-03-2014 08:43

 

"Este é o meu Filho muito amado,

no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O.”

Mt 17, 5

 

Escutar e “brincar”

 

Escutar não é uma atitude fácil. Implica silêncio, disponibilidade, acolhimento. E se desde que nascemos temos uma certa propensão para palrar e deliciarmo-nos com a nossa própria voz (às vezes levamos até muito tarde esse deleite!), escutar alguém é condição para o diálogo e para a partilha, para o confronto e para a procura. Nos evangelhos, a voz do Pai surge duas vezes a dizer que Jesus é o seu filho muito amado; mas no alto do monte (Tabor?) acrescenta: “Escutai-O”. É o apelo ao conhecimento e à intimidade, o deixar de oferecer “listas de mandamentos e obrigações” para experimentar a surpresa de uma vida que não se repete. O espanto dos discípulos será mais tarde o medo dos detentores do poder: uma relação de proximidade com Deus assusta os que se julgam donos dos futuros possíveis!

Não me identifico muito com um certo ar “sorumbático” a que a Quaresma está associada, bem como à sua “conversão programada” que pode produzir asceses heróicas mas pouco se nota em páscoas joviais. E ao ler a Inês Teotónio Pereira no jornal “i”, sobre a diferença de creches que os seus filhos frequentaram, também me pergunto: será que algumas vezes substituímos o encanto da descoberta da vida com Cristo (que ouso comparar ao brincar das crianças) por esquemas funcionais, mas cinzentos, de religiosidade? Diz a Inês, do segundo jardim-infantil dos seus filhos: “A natureza das actividades variava: se estivesse bom tempo iam à praça, iam à serra, iam à praia, pisavam uvas, iam ao parque dos baloiços, e se estivesse a chover faziam bolos e bolachas, teatros, desenhos, o jogo das cadeiras e até havia o dia ao contrário: as crianças iam de pijama para escola e começavam o almoço pela sobremesa. No arraial do final do ano saltávamos todos à fogueira. Cada um punha o seu lugar à mesa e só aos cinco anos é que começavam a fazer fichas. Faziam os desenhos e as brincadeiras mais incríveis e por cada obstáculo que conseguiam ultrapassar (subir a uma árvore ou andar de bicicleta, por exemplo) organizava-se uma festa.(…). Este jardim-infantil ajudou-me a educar os meus filhos. Não os educou por mim nem os entreteve por mim. Ajudou-me a educá-los e a fazer com que cada dia que eles ali passaram fosse um dia feliz. E foram. Todos.

Escutar e brincar podem parecer actividades opostas. E talvez sejam tão próximas. E tão necessárias para que as vidas se abracem e sejamos felizes uns com os outros (não se é feliz sozinho, ainda que rodeado de toda a tecnologia ou riqueza!). Começamos a escutar Jesus quando nos escutamos e gostamos de estar uns com outros; os pais e os filhos, os amigos e os que pensam diferente, mas pensam, e batem-se por valores, os diferentes grupos numa comunidade. Substituímos a brincadeira pelo jogo, promovemos a competição, e idealizámos vitórias que alienam e nos fazem sentir vazios. “Com Deus não se brinca”, diz o povo, mas, como se via num sketch do “Gato Fedorento”, se “foi Ele que começou!...”. Será que escutar-te, Jesus, é entrar mais ainda na alegria que vives com o Pai?

 

 in Voz da Verdade

 

 

No segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus define o caminho que o verdadeiro discípulo deve seguir: é o caminho da escuta atenta de Deus e dos seus projectos, da obediência total e radical aos planos do Pai.

  • O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projecto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
  • Na primeira leitura apresenta-se a figura de Abraão. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta de Deus, que sabe ler os seus sinais, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total e com a entrega confiada. Nesta perspectiva, ele é o modelo do crente que percebe o projecto de Deus e o segue de todo o coração.
  • Na segunda leitura, há um apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhada e coerente, as testemunhas do projecto de Deus no mundo. Nada – muito menos o medo, o comodismo e a instalação – pode distrair o discípulo dessa responsabilidade.

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