I Domingo do Advento - Ano C
“Erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima.” Lc 21, 28
Entramos discretamente, sem fogo-de-artifício nem badaladas, num novo ciclo litúrgico. Que não é, como dizia um pequenito, a bicicleta do senhor Prior, mas um ano novo para todos os cristãos. Aqueles que vivemos a alegria de celebrar no tempo a vinda do Eterno, Jesus Deus-connosco, nascido, morto e ressuscitado. E assim ficou transformado o tempo, deixando de ser realidade que simplesmente passa, se conta e se esgota, tornando-se ocasião de graça, abertura ao futuro, habitado pela eternidade.
O Advento vive de várias tensões. É espera e urgência, fim e princípio, já e ainda não. Convida a rever as rotinas que vivemos, a repetição mecânica de hábitos e palavras, o adormecimento do fogo que já é só saudade. Os sinais no sol, na lua, nas estrelas e na terra, anunciados por Jesus no evangelho, mostram que o caos do mundo presente não é definitivo. Assim como esses elementos são os primeiros na ordem da criação, segundo o relato do Génesis, também o seu colapso anuncia o dia novo, os novos céus e a nova terra. Não há mudança sem dor, nem crescimento sem despojamento. Importa não deixar instalar-se o medo: ele sufoca a vida e paralisa as forças. Tantas vezes Jesus disse para “não termos medo”, pois ele isola-nos e não nos deixa sair ao encontro de Deus e dos outros. É nessa saída que o sol da fé, o horizonte da esperança e o fogo do amor nos revelam como a vida nova acontece em nós e connosco.
Diante do fim de tudo, no máximo despojamento, a proposta do evangelho é surpreendente: “Erguei-vos e levantai a cabeça…, Tende cuidado convosco…, Vigiai e orai em todo o tempo.” Curiosa a semelhança com a 1ª das “12 regras para a vida” que o psicólogo canadiano Jordan Peterson apresenta no livro que tem esse título: “Levante a cabeça e endireite as costas”. A libertação que está próxima é dom de Deus, mas é preciso estar pronto para a acolher. E daí o cuidado em não buscar saídas que são “becos”, prisões ou soluções fáceis. Mas a grande novidade é a atenção a tudo e a oração. Atenção que é empenho pelos outros, escuta dos seus clamores, compromisso pela justiça; e oração que só é verdadeira encontro com Deus quando temos o coração cheio dos irmãos!
Muito além da urgência de “preparar o Natal” (que Natal, pode perguntar-se?) partilho convosco um poema de Eugénio de Andrade, que sabe tanto a este tempo: “É urgente o amor. / É urgente um barco no mar.// É urgente destruir certas palavras, / ódio, solidão e crueldade, / alguns lamentos, / muitas espadas. // É urgente inventar alegria, / multiplicar os beijos, as searas, / é urgente descobrir rosas e rios / e manhãs claras. // Cai o silêncio nos ombros e a luz / impura, até doer. // É urgente o amor, é urgente / permanecer.”
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
Neste 1º Domingo do Tempo do Advento, a Palavra de Deus apresenta-nos uma primeira abordagem à “vinda” do Senhor.
- Na primeira leitura, pela boca do profeta Jeremias, o Deus da aliança anuncia que é fiel às suas promessas e vai enviar ao seu Povo um “rebento” da família de David. A sua missão será concretizar esse mundo sonhado de justiça e de paz: fecundidade, bem-estar, vida em abundância, serão os frutos da acção do Messias.
- O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Messias filho de David, a anunciar a todos os que se sentem prisioneiros: “alegrai-vos, a vossa libertação está próxima. O mundo velho a que estais presos vai cair e, em seu lugar, vai nascer um mundo novo, onde conhecereis a liberdade e a vida em plenitude. Estai atentos, a fim de acolherdes o Filho do Homem que vos traz o projecto desse mundo novo”. É preciso, no entanto, reconhecê-l’O, saber identificar os seus apelos e ter a coragem de construir, com Ele, a justiça e a paz.
- A segunda leitura convida-nos a não nos instalarmos na mediocridade e no comodismo, mas a esperar numa atitude activa a vinda do Senhor. É fundamental, nessa atitude, a vivência do amor: é ele o centro do nosso testemunho pessoal, comunitário, eclesial.
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