Festa do Baptismo do Senhor - Ano A
"Deixa por agora; convém que assim cumpramos toda a justiça”.
Mt 3, 15
Hesitei demoradamente em iniciar estas palavras semanais com a experiência forte do filme
“12 anos escravo” que relata o drama da escravatura nos meados do século XIX nos Estados Unidos. Baseado na vida real de Solomon Northup, que vivendo livre em Nova Iorque em 1841,
com a esposa e os filhos, se viu reduzido à condição de escravo por 12 anos nas grandes propriedades do sul esclavagista. O momento em que pôde, de novo, assumir o seu nome
e a sua condição livre, sem medo de chicotadas, tem o sabor de um renascimento. E não
consigo desligá-lo desta identificação de Cristo com a humanidade decaída, na fila dos
pecadores para o baptismo de penitência de João, e com a voz de Deus que Lhe diz
(e nos diz): “Este é o meu Filho muito amado!”
É verdade que o Baptismo, para a maioria de nós, baptizados em bébés, é algo que vamos descobrindo com o crescimento. Mas será que o fazemos mesmo? Não permanece como
um ritual do passado, como uma espécie de carimbo no passaporte da vida (que abrirá
algumas “alfândegas religiosas”), sem nunca o saborearmos como fonte inesgotável de vida? Acreditamos que “ser filho muito amado do Pai” não é uma figura de retórica ou um símbolo
bonito? E como acreditaremos se somos herdeiros de tantas espiritualidades que, acentuando
o peso dos pecados, nos despersonalizam e fazem esquecer o nosso nome (como no filme)
com que Deus nos chama: ”meu filho, minha filha!”
Na mensagem do Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco aponta “a fraternidade como
fundamento e caminho para a paz”. Era bom não arquivá-la nos documentos lidos, mas
assumir algumas consequências. As que estão ao alcance de cada um, e as que em
grupo podemos assumir como gestos de mudança. Na primeira audiência deste ano
fala-nos do nosso Baptismo como fonte: “Por ele, mergulhamos na fonte inesgotável
de vida, que provém da morte de Jesus. Assim podemos viver uma vida nova, de
comunhão com Deus e com os irmãos. Ainda que muitos não tenhamos a mínima
lembrança da celebração deste sacramento, somos chamados a viver cada dia
aspirando à vocação que nele recebemos.” Felizes palavras no dia em que é anunciado
pela Santa Sé que o único 'título eclesiástico' honorífico que será concedido - e ao qual corresponderá ao apelativo de 'monsenhor' - será o Capelão de Sua Santidade
(no tempo de Paulo VI eram 14, que João Paulo II reduziu a 3). Talvez com menos
títulos nos descubramos mais irmãos!
Pe. Vitor Gonçalves
in, Voz da Verdade
A liturgia deste domingo tem como cenário de fundo o projecto salvador de Deus.
No baptismo de Jesus nas margens do Jordão, revela-se o Filho amado de Deus,
que veio ao mundo enviado pelo Pai, com a missão de salvar e libertar os homens.
Cumprindo o projecto do Pai, Ele fez-Se um de nós, partilhou a nossa fragilidade e
humanidade, libertou-nos do egoísmo e do pecado e empenhou-Se em promover-nos,
para que pudéssemos chegar à vida em plenitude.
- A primeira leitura anuncia um misterioso “Servo”, escolhido por Deus e enviado aos
homens para instaurar um mundo de justiça e de paz sem fim… Investido do Espírito
de Deus, Ele concretizará essa missão com humildade e simplicidade, sem recorrer
ao poder, à imposição, à prepotência, pois esses esquemas não são os de Deus.
- No Evangelho, aparece-nos a concretização da promessa profética: Jesus é o
Filho/“Servo” enviado pelo Pai, sobre quem repousa o Espírito e cuja missão é realizar
a libertação dos homens. Obedecendo ao Pai, Ele tornou-Se pessoa, identificou-Se
com as fragilidades dos homens, caminhou ao lado deles, a fim de os promover e de
os levar à reconciliação com Deus, à vida em plenitude.
- A segunda leitura reafirma que Jesus é o Filho amado que o Pai enviou ao mundo para
concretizar um projecto de salvação; por isso, Ele “passou pelo mundo fazendo o bem”
e libertando todos os que eram oprimidos. É este o testemunho que os discípulos
devem dar, para que a salvação que Deus oferece chegue a todos os povos da terra.
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