Festa da Apresentação do Senhor - Ano A
“Os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel,
vosso povo.” Lc 2, 30-32
Será que a gratidão é algo natural ao ser humano ou precisamos todos de aprendê-la? A pergunta surgiu-me ao ver uma reportagem sobre pessoas que nasceram com grandes incapacidades físicas. Da coragem com que as assumiram e ultrapassaram, fazendo o que parecia impossível, emanava uma gratidão pela vida que me admirou. E o pensamento voou para tantas situações em que parece que andamos zangados ou aborrecidos por aquilo que ainda não temos, ou por dificuldades tão insignificantes. Somos gratos pelo dom da nossa vida? Ou assumimos a insatisfação como veste que se colou à pele e à alma, e escrevemos todos os dias reclamações no “livro da vida”?
O Professor António Sampaio da Nóvoa, numa conferência a professores brasileiros, relembrava como S. Tomás de Aquino, no Tratado da Gratidão, fala de três níveis da gratidão. O primeiro, o mais superficial, consiste em reconhecer (ut recognoscat) o benefício recebido; o segundo, intermédio, significa louvar e dar graças (ut gratias agat); e o terceiro, mais profundo, sublinha compromisso, vínculo (ut retribuat). O primeiro, ao nível intelectual, está presente na língua inglesa e alemã (os verbos to thank e zu danken). O segundo, com o sentido de dar graças, revela-se na maioria das línguas europeias (grazie, gracias, merci). Curiosamente, na língua portuguesa, o nosso “obrigado”, manifesta o nível mais profundo da gratidão, enunciado por S. Tomás: ficar vinculado, comprometido.
40 dias depois do nascimento, Jesus, como qualquer primeiro filho menino de um casal judio, foi apresentado / consagrado / oferecido a Deus. Deus dado a Deus. A gratidão pela fecundidade era a oferta do dom recebido. Mas Deus nada quer para si e, por isso, a vida que Ele dá é para ser dada, “para a frente”. É este o sentido maior da gratidão: o futuro, a vida que se multiplica e se dá em abundância. O agradecimento não fica apenas num cuidado do passado, mas na responsabilidade de gerar mais vida: respondemos ao débito com um crédito, mais vida. Os olhos abertos de Simeão, que veio ao Templo conduzido pelo Espírito, vêm a luz que é Jesus e antecipam a vida e a salvação que Ele nos traz. Por seu lado, Ana anunciava a todos: a sua esterilidade de viúva torna-se fecunda pelo seu testemunho. Agradecer não é um “dá cá; toma lá”. É retribuir para a frente, gerar e dar vida, evangelizar, estarmos ligados à linha de alta tensão do amor.
Não desistamos de ser gratos. E não nos cansemos de ensinar a gratidão, em especial aos mais novos. A vida não é um acumular de coisas nem um rodopio de egoísmos. É uma luta de amor, uma sucessão de actos em que damos vida. A gratidão é dar a vida abundantemente.
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
- Primeira Leitura - Um “mensageiro” anónimo anuncia o “Dia do Senhor” – o “dia” em que Deus vai descer ao encontro do seu Povo para criar uma nova realidade. Nesse dia, Jahwéh vai eliminar o egoísmo e o pecado, vai purificar o coração do seu Povo, vai inaugurar o tempo novo da comunhão verdadeira entre Deus e os homens. A Vida Consagrada é interpelação profética; interpela os homens, convida-os à conversão, anuncia e testemunha o mundo que há de vir.
- Segunda Leitura - Jesus é apresentado como o sacerdote por excelência que, ao oferecer ao Pai o sacrifício da sua vida, ao serviço do plano salvador de Deus, fez nascer o Homem Novo, livre da escravidão do pecado, promovido à categoria de “filho de Deus”. Esta “catequese” convida os discípulos a olhar para a cruz de Jesus, a interiorizar o seu significado, a seguir Jesus no dom total da vida, na entrega radical, no serviço simples e humilde aos irmãos. A Vida Consagrada é uma forma privilegiada de viver e de testemunhar esta realidade.
- Evangelho - Através das palavras e da catequese do evangelista Lucas, desenha-se aqui o quadro da “Apresentação de Jesus” no Templo de Jerusalém, a fim de ser “consagrado” ao Senhor. A consagração de Cristo recorda-nos que a nossa vida se deve cumprir num “ecce venio”, numa entrega total nas mãos do Pai, ao serviço do projeto de salvação de Deus para os homens e para o mundo.