Domingo de Ramos - Ano A

09-04-2017 09:10

 

 

“Eles foram e guardaram o sepulcro, selando a pedra e pondo a guarda.” Mt 27, 66

 

É espantoso como três linhas que desenham alguns picos e elevações numa folha com milhares de quadradinhos permitem avaliar o funcionamento de um coração. Foi o médico holandês Willem Einthoven o “inventor” do eletrocardiograma em 1885. E tornou-se possível medir a actividade elétrica do coração. Agradecido pela invenção e por quem sabe ler estas linhas irrequietas (bom sinal, pois quando se vê uma linha contínua, o caso está malparado!) sorrio ao ler a frase por trás do boletim: “ECG estando dentro dos limites da normalidade”! Claro que não pretendo dar notícias da saúde do meu coração, mas achei graça aos “limites da normalidade”. Espero que seja um bom sinal cardíaco, mas levou-me a pensar como seria um ECG ao coração de Jesus!

 

“É verdade, Jesus, ainda não havia destas coisas na Judeia do teu tempo. E até existe um exame que regista as 24 horas de um coração a bater! Como foram as 24 horas da tua Paixão, que os evangelistas nos relatam longamente? Nos limites, ou para lá dos “limites da normalidade?” Como batia o teu coração naquela aclamação popular e messiânica, em que aceitaste a alegria dos pobres e a ambiguidade das multidões? E na ceia (não a última, mas a primeira, como diz D. António Couto!), ao dares o pão e o cálice e ao anunciares a negação de Pedro? Que linhas elétricas ele escreveria quando rezaste no Getsémani e foste levado aos vários tribunais? Quantos limites da normalidade do quadriculado da vida ultrapassaste quando expiraste na cruz?”

 

Entrar no coração de Jesus, especialmente na Paixão, é ousadia. E fazemo-lo todos os anos na Páscoa. Entrar no coração de todos os que nela participam pode revelar-nos como estamos nós aí também. Na normalidade de amizades, amores, bondade e compaixão, e na anormalidade de ódios, raivas, invejas e mentiras. E como é possível que, acompanhando Jesus manso e humilde, Ele pode abraçar, libertar e salvar de tudo o que nos destrói. Porque ama e vive um pouco mais além dos “limites da normalidade”. O coração rasgado dos discípulos, que é o nosso também, por outras paixões que vivemos, não ficou destruído, e com Jesus deixámos de medir em quadrículas as suas admiráveis possibilidades. Os limites para o “pequeno motor” do tamanho de um punho que trazemos no peito lembram-nos como é importante cuidar dele. O “até ao fim” do amor e da entrega, que a Páscoa de Jesus nos convida, lembra-nos como a alegria pascal superará os sinais da morte.

 

Desejo que os vossos ECG’s estejam “dentro dos limites da normalidade”. E que os exames que poderíamos fazer às famílias, às instituições e associações, às igrejas e às empresas pudessem apresentar bons resultados. E ao descobrirmos “corações empedernidos” ou “mortos por falta de uso”, tenhamos a coragem de deixar a “normalidade”, e propor a justiça de Deus sem adiamentos, a responsabilidade humana sem subterfúgios, o amor de Jesus “para lá dos limites”. Quem sabe se com este choque do “desfibrilador pascal” não voltariam a bater alguns corações?

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade

 

A liturgia deste último domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.

  • A primeira leitura apresenta-nos um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projectos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.
  • A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
  • O Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus – esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.
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