30º Domingo do Tempo Comum - Ano C
“Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens...” Lc 18, 11
“Não gosto de rezar por obrigação. Nem de usar palavras que não são minhas. Quando falo com Deus abro-lhe o coração e falo-lhe com as minhas palavras e os meus silêncios, as minhas lágrimas e os meus risos. E sei que Ele me ouve!” Não era a primeira vez que ouvia aquela minha amiga dizer isto sobre a oração. Mas, com as orações do fariseu e do publicano no pensamento, naquele dia ouvi-as melhor. Saboreei a alegria do encontro, tão divino e tão humano, que a verdadeira oração oferece, e como é fácil esse encontro não acontecer, quando complicamos tudo ou, simplesmente, não abrimos o peito e o coração. Bem respondia aquele camponês, que o padre tentava corrigir, porque o ouvira falar com Deus com “palavras pouco próprias”: “Olhe senhor prior, se eu Lhe falo assim é porque Ele me conhece e ia ficar admirado se não usasse estas palavras!”
Peço desculpa se a muitos, certamente, não couber este “barrete”: há um pouco de fariseu e um pouco de publicano em cada um de nós! Um pouco ou muito, consoante o modo de nos colocarmos diante de Deus e diante dos outros. Porque, sem ficar nas palavras ditas por um e por outro, importa ir mais fundo, às opções fundamentais da vida deles, e também às nossas. Ambos desejavam a perfeição. O fariseu, convencido de que a tinha alcançado, cheio de si, numa piedade postiça e acomodada, nada pede a Deus, antes se auto-incensa (no fundo é um verdadeiro ateu!) e dá graças “por não ser como os outros”. O publicano, ao fundo da cena, tem o coração em carne viva, e leva a sério a verdade da oração, suplicando a esmola do perdão de Deus. Não se justifica nem apresenta atenuantes em sua defesa, apenas bate com a mão no peito. O mesmo gesto que, por vezes, repetimos tão automaticamente no início de cada Eucaristia, recorrentemente apontado como falso quando a nossa vida não traduz amor e perdão! Um gesto que nos abre para a verdadeira acção de graças: a da Páscoa de Jesus que nos une como filhos de um mesmo Pai!
Rezamos porquê e para quê? Fazemo-lo de todo o coração, com a verdade de quem caminha, não sozinho, mas com outros, por entre imperfeições que fazem sede de perdão, e desejos de uma vida em abundância para todos? Como pode Deus dar o seu amor a quem está tão cheio de si? Quando não contribuímos para que haja vida em abundância ao nosso redor, satisfeitos com o que temos e somos e indiferentes ou altivos perante o sofrimento de outros, que oração fazemos a Deus? Que acção de graças Lhe damos? A de não ser nem estar como os outros? Mas é curioso, o que nos faz mais “nós mesmos” são os outros! Até Jesus se identificou com cada um dos mais pequeninos!
Da vida à oração e da oração à vida não vai distância nenhuma. A liturgia celebra a vida e envia-nos para a vida. Basta trazermos o fundo do nosso ser ao encontro com Deus. Será que se o fariseu e o publicano rezassem juntos não obteriam melhor proveito?
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
A liturgia deste domingo ensina-nos que Deus tem um “fraco” pelos humildes e pelos pobres, pelos marginalizados; e que são estes, no seu despojamento, na sua humildade, na sua finitude (e até no seu pecado), que estão mais perto da salvação, pois são os mais disponíveis para acolher o dom de Deus.
- A primeira leitura define Deus como um “juiz justo”, que não se deixa subornar pelas ofertas desses poderosos que praticam injustiças na comunidade; em contrapartida, esse Deus justo ama os humildes e escuta as suas súplicas.
- O Evangelho define a atitude correcta que o crente deve assumir diante de Deus. Recusa a atitude dos orgulhosos e auto-suficientes, convencidos de que a salvação é o resultado natural dos seus méritos; e propõe a atitude humilde de um pecador, que se apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher o dom de Deus. É essa atitude de “pobre” que Lucas propõe aos crentes do seu tempo e de todos os tempos.
- Na segunda leitura, temos um convite a viver o caminho cristão com entusiasmo, com entrega, com ânimo – a exemplo de Paulo. A leitura foge, um pouco, ao tema geral deste domingo; contudo, podemos dizer que Paulo foi um bom exemplo dessa atitude que o Evangelho propõe: ele confiou, não nos seus méritos, mas na misericórdia de Deus, que justifica e salva todos os homens que a acolhem.