28º Domingo do Tempo Comum - Ano B
"Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu: «Falta-te uma coisa (...)” Mc 10, 21
Muitas vezes uma passagem bíblica funciona como um espelho para nós mesmos. Reconhecemo-nos em algum personagem, ou vemos-nos em determinada situação. Assim funciona o relato do jovem rico que interpela Jesus porque quer alcançar a vida eterna. No fundo, sente que lhe falta algo que dê sentido a tudo à qualidade da sua vida: os preceitos da Lei que cumpre deste pequeno, a prosperidade que recebeu ou alcançou, o bem-estar que transparece. Se tudo tem, porque lhe aparece aquela sensação de vazio? E lembro-me do convite que o António Zambujo faz para o seu amor vir andar de lambreta, e esquecer o “tal Vilela / Que tem carro e barco à vela / O pai tem a mãe também / Que é tão tão / Sempre a preceito / Cá para mim no meu conceito / Se é tão tão e tem tem tem / Tem de ter algum defeito”! O jovem rico é admirável, e a sua procura também, mas o segredo que pode encher a vida não é acumular, e sim, distribuir!
É verdade que não temos espelho mágico como o da madrasta da Branca de Neve, e os que temos são mais utilizados para avaliar a beleza exterior ou se andamos a precisar de fazer dieta. Mas seria bom que os usássemos para ver a quantidade de coisas inúteis que acumulamos, e até aquelas que ainda não temos e já nos aferrolham a felicidade na ânsia de as vir a ter. Não sei se o jovem do evangelho pensaria que a vida eterna seria “a cereja em cima do bolo”, mas creio que muitas vezes se vive como se fôssemos faraós e levássemos para o outro mundo todas riquezas e luxos que nos rodearam em vida. Bendita irmã morte que nos reveste da nudez inicial!
Religiosamente satisfeito e bom cumpridor, socialmente bem cotado e sem máculas no currículo, não foi suficiente o olhar de amor de Jesus para o nosso jovem trocar o certo pela surpresa. Vender tudo e dar aos pobres é um preço muito alto a pagar para seguir Jesus. E fazê-lo ao longo da vida (porque a tentação de “servir a Deus e ao dinheiro” volta muitas vezes) não é nada fácil. Escolher Jesus e continuar a preferi-l’O a todas as outras coisas, não significa deixar de utilizar os bens, mas sim utilizá-los para o maior bem; não significa não os ter, mas sim não deixar que eles sejam donos de nós, não significa desprezar o mundo, mas sim, nunca esquecer de valorizar as pessoas.
É ao espelho diário do pensamento e da sabedoria que importa perguntar: que vida quero e estou a viver? Como respondo ao olhar cheio de amor que Jesus tem para mim? E trata-se de um espelho que reflecte, e não de um écran que emite e cria o vício de ser espectador do mundo e consumidor de coisas feitas! Viver de e para os écrans é mais uma forma alienante de enriquecimento de coisas supérfluas. O espelho pode também trazer o perigo de Narciso que se apaixonou pela sua imagem. Mas se esse espelho fôr o lago tranquilo dos olhos de Jesus, ele devolver-nos-á sempre a verdadeira imagem de nós mesmos e a verdade do mundo que importa construir!
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
A liturgia do 28º Domingo do Tempo Comum convida-nos a reflectir sobre as escolhas que fazemos; recorda-nos que nem sempre o que reluz é ouro e que é preciso, por vezes, renunciar a certos valores perecíveis, a fim de adquirir os valores da vida verdadeira e eterna.
- Na primeira leitura, um “sábio” de Israel apresenta-nos um “hino à sabedoria”. O texto convida-nos a adquirir a verdadeira “sabedoria” (que é um dom de Deus) e a prescindir dos valores efémeros que não realizam o homem. O verdadeiro “sábio” é aquele que escolheu escutar as propostas de Deus, aceitar os seus desafios, seguir os caminhos que Ele indica.
- O Evangelho apresenta-nos um homem que quer conhecer o caminho para alcançar a vida eterna. Jesus convida-o renunciar às suas riquezas e a escolher “caminho do Reino” – caminho de partilha, de solidariedade, de doação, de amor. É nesse caminho – garante Jesus aos seus discípulos – que o homem se realiza plenamente e que encontra a vida eterna.
- A segunda leitura convida-nos a escutar e a acolher a Palavra de Deus proposta por Jesus. Ela é viva, eficaz, actuante. Uma vez acolhida no coração do homem, transforma-o, renova-o, ajuda-o a discernir o bem e o mal e a fazer as opções correctas, indica-lhe o caminho certo para chegar à vida plena e definitiva.
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