26º Domingo do Tempo Comum - Ano C
“Um pobre, chamado Lázaro, jazia junto do seu portão, coberto de chagas.” Lc 16, 20
Saber o nome de alguém é começar a entrar no seu mistério. Não gostamos de escolher o nome do bebé quando ainda está na barriga da mãe? Deus pediu ao homem recém-criado que desse nome às criaturas e, na sabedoria bíblica, o que não tem nome não existe (Ecl 6, 10). Moisés insistiu que Deus lhe revelasse o seu nome para o anunciar ao povo (Ex 3, 13-14), e o monge de uma história oriental ficou atordoado quando, ao mesmo pedido, recebeu a resposta: “O meu nome é ‘Não-é-bastante’”. “Não ter nome”, com o sentido de “pertencer a família conhecida e ilustre” ou “ter fama”, ainda é motivo de exclusão em altas camadas da sociedade. Mas Deus conhece-nos pelo nosso nome! Na parábola do rico que se banqueteava todos os dias, Jesus deu nome ao pobre coberto de chagas que jazia ao seu portão. É o único personagem das dezenas de parábolas recolhidas nos evangelhos que tem nome. Esse nome saltou para a realidade e, na Idade Média, tornou-se o padroeiro de leprosos e mendigos, edificando-se “lazaretos” para acolher desfavorecidos e doentes, vindo até a inspirar S. Vicente de Paulo na fundação da “ordem dos padres lazaristas”. Quem tem nome é o pobre, e não o rico. Este vive no seu castelo doirado, em excessos alimentares e fausto desmedido, completamente indiferente a quem está à sua porta. Não há explicação para a riqueza de um e a pobreza de outro. O que importa a Jesus é o hoje, que constrói o amanhã. O pecado mais grave é a indiferença, o viver endeusado em bens que parecem eternos, tratando como “não-seres” aqueles que precisam. A indiferença é muro contra a misericórdia. Por isso, à distância deste mundo corresponde, nas cores alegóricas da parábola, uma ainda maior na eternidade. Mesmo aí, o rico, já vendo Lázaro (e afinal, sabendo o seu nome!) quer servir-se dele, para lhe mitigar a sede ou ir prevenir os seus irmãos! Para quem é rico os outros só interessam como servos? Custa muito, quando cuidamos de outra pessoa ou ajudamos alguém, a dor de não o libertar de todo o sofrimento. Desejamos milagres imediatos e visíveis e adiamos possibilidades de caminhar juntos. E por não conseguir tudo deixamos de fazer o possível. O desejo da omnipotência inatingível também é obstáculo à misericórdia. Há uma mútua necessidade sempre que ajudamos: “tu precisas da minha mão ou dos bens que partilho, e eu preciso que desenvolvas e cresças em todas as tuas capacidades”! Toda a ajuda que deixa a realidade na mesma, ou promove novas dependências pode “tranquilizar consciências”, mas é quase tão grave como a indiferença! Não será a autossuficiência, o não precisar de ninguém, a verdadeira pobreza, tornando-se verdade o dito de que “eram tão pobres, tão pobres, que só tinham dinheiro”? E voltando à importância de todos termos nome, como é belo ler os doze nomes de Deus que o Salmo 146 oferece neste domingo. Neles se revela o “Deus em acção”, nunca indiferente nem passivo diante dos pobres e sofredores: a criar, a fazer justiça, a levantar, a alimentar, a curar, a amar. A “dar o exemplo”, para nos contagiar à luta contra a indiferença e a passividade. Conhecemos o nome de quem jaz ao portão do nosso coração?
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
A liturgia deste domingo propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.
- Na primeira leitura, o profeta Amós denuncia violentamente uma classe dirigente ociosa, que vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente com o sofrimento e a miséria dos humildes. O profeta anuncia que Deus não vai pactuar com esta situação, pois este sistema de egoísmo e injustiça não tem nada a ver com o projecto que Deus sonhou para os homens e para o mundo.
- O Evangelho apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens… Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre um pecado, pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se destinam a todos os homens… Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado.
- A segunda leitura não apresenta uma relação directa com o tema deste domingo… Traça o perfil do “homem de Deus”: deve ser alguém que ama os irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que transmite fielmente a proposta de Jesus. Poderíamos, também, acrescentar que é alguém que não vive para si, mas que vive para partilhar tudo o que é e que tem com os irmãos?
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