2º Domingo do Advento - Ano A
“Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas’” Mc 1, 2
Não há Advento sem a voz de João Baptista. E porque aprendemos a reconhecer o tom e o som das vozes que nos chamam e guiam, por entre muitas outras que nos desviam, a voz de João acorda-nos e convoca-nos para a mudança. Ele é coluna de amplificação da Palavra que veio fazer-se carne, humano e divino para nos salvar. Mas a conversão custa, e nunca está completamente feita, num processo de avanços e recuos. Quem não conhece tentação de não escutarmos nenhuma voz que nos convida a mudar, a distracção com qualquer coisa, o disfarce dos medos de encarar a verdade de Jesus Cristo? Será este o “sono da mediocridade” de que falava o Papa Francisco aos novos cardeais?
“Sobrevém quando esquecemos o primeiro amor e avançamos apenas por inércia, prestando atenção somente a viver tranquilos.” E quase em paralelo leio uma frase de Eduardo Lourenço, o grande pensador que nos estimulou a pensar, falecido a 1 de dezembro: “Hoje podemos estar uma vida inteira a ver cinema, televisão ou um ecrã e morrer sem ter entrado na vida.”
Não há Advento sem deserto. Ali, onde somos despojados de comodidades e seguranças, de mapas e sinais, onde só há céu e terra e é preciso procurar alguma fonte escondida, é possível escutar melhor Deus. Assim faz a multidão que deixa a Judeia e Jerusalém para ir ao deserto escutar João Baptista, lembrando esse lugar da fidelidade primeira; e onde o profeta Oseias, nos poemas de amor de Deus-esposo lembra a sua decisão: “ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração” (Os 2, 16-17). No imenso deserto da humanidade assolada por esta nefasta pandemia, de que nos fala Deus, senão do seu amor que nos convida ao essencial? É preciso mudar a nossa relação com o mundo e o cuidado com a “casa comum”; é preciso mudar os critérios do imediatismo, do consumismo e da ganância; é preciso mudar as relações entre as pessoas, que precisamos reconhecer como irmãos. Pudéssemos dizer como Eduardo Lourenço: “O que mais me surpreende nos outros: a autenticidade. Cada pessoa é um mundo. Mesmo as pessoas que têm momentos de menos visibilidade e relevo, as pessoas são um mistério a que nunca daremos a volta.”
Não há Advento sem caminho. Todos os caminhos impõem, pelo menos, duas dificuldades: o começo e a perseverança. Com melhores ou piores preparações, mapas ou a sua ausência, hora marcada ou flexível, só ou acompanhado, o primeiro passo tem um peso inesperado. E se em qualquer caminho há de tudo, êxitos e retrocessos, dúvidas e interrogações, decisões e provas a superar, a tentação de desistir vai-se insinuando subtilmente. Os primeiros cristãos eram conhecidos pelos do “Caminho”. Caminho que é Jesus Cristo e que fazemos n’Ele e com ele. Em constante desejo de nos encontrarmos com Ele, de abrir-lhe caminhos no mundo e na Igreja, de fazer dos pobres o centro da nossa vida. E caminhar não é viver de alma aberta às surpresas de Deus? Que o diga Eduardo Lourenço: “Tenho vivido deixando-me surpreender.”
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
A liturgia do segundo domingo de Advento constitui um veemente apelo ao reencontro do homem com Deus, à conversão. Por sua parte, Deus está sempre disposto a oferecer ao homem um mundo novo de liberdade, de justiça e de paz; mas esse mundo só se tornará uma realidade quando o homem aceitar reformar o seu coração, abrindo-o aos valores de Deus.
- Na primeira leitura, um profeta anónimo da época do Exílio garante aos exilados a fidelidade de Jahwéh e a sua vontade de conduzir o Povo - através de um caminho fácil e direito - em direcção à terra da liberdade e da paz. Ao Povo, por sua vez, é pedido que dispa os seus hábitos de comodismo, de egoísmo e de auto-suficiência e aceite, outra vez, confrontar-se com os desafios de Deus.
- No Evangelho, João Baptista convida os seus contemporâneos (e, claro, os homens de todas as épocas) a acolher o Messias libertador. A missão do Messias - diz João - será oferecer a todos os homens esse Espírito de Deus que gera vida nova e permite ao homem viver numa dinâmica de amor e de liberdade. No entanto, só poderá estar aberto à proposta do Messias quem tiver percorrido um autêntico caminho de conversão, de transformação, de mudança de vida e de mentalidade.
- A segunda leitura aponta para a parusia, a segunda vinda de Jesus. Convida-nos à vigilância - isto é, a vivermos dia a dia de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-nos na transformação do mundo e na construção do Reino. Se os crentes pautarem a sua vida por esta dinâmica de contínua conversão, encontrarão no final da sua caminhada terrena "os novos céus e a nova terra onde habita a justiça".Grupo Dinamizador: