2º Domingo da Quaresma - Ano C

21-02-2016 09:40

 

 

“Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».” Lc 9, 35

 

 

Aprendemos cedo a diferença entre ouvir e escutar. Como não é a mesma coisa existir e viver. A primeira existe por si própria, é um som que se propaga e entra pelos ouvidos, é a constatação de um facto. A segunda implica uma abertura de coração e de pensamento, um projecto e um sentido que se abraçam. Por isso, há vozes e palavras escutadas que configuram a nossa vida, e estreitam ou alargam a nossa visão do mundo. Algumas ficam gravadas como discos riscados, e fecham-nos em pequenos e grandes sofrimentos que dificultam o crescimento. Outras fazem-nos ganhar asas e trazem a luz da aurora para novos voos. Somos nós que escolhemos as vozes e as palavras que importam verdadeiramente nas nossas vidas.

Essa escolha acontece num caminho de intimidade que cria laços, consolidando amizades e cumplicidades. Por isso, quando a morte parece que vem calar uma destas vozes e fazer desaparecer a sua presença do nosso convívio, ficamos sem palavras e com uma saudade imensa. Nestes dias, eu e tantos, experimentámos isto com a morte do P. Alberto. Entendemos a sua fragilidade crescente, mas a surpresa do seu falecimento e a falta de uma despedida tornou a dor maior. Mas não há verdadeiramente despedidas para os que se amam, nem para quem acredita no amor de Deus que também o P. Alberto, de muitos modos, nos testemunhou. Foi também ele que me deu a conhecer Jesus Cristo vivo e actuante que se meteu comigo e em mim, esta Igreja frágil e pecadora mas bela e geradora de comunhão, e despertou o desejo de dar a vida como discípulo de Jesus. Aquela voz serena e firme, as palavras sempre entrelaçadas com histórias e um imenso humor, e a sua presença humilde e grata não se apagarão da memória de todos nós. Que alegria, P. Alberto, ter-nos ajudado a acreditar na transfiguração do Céu em que a misericórdia de Deus nos reunirá!

O único pedido do Pai aos discípulos do Filho, no deslumbramento do Tabor, é que escutemos Jesus. Depois de afirmar o seu amor, diz-nos que Ele é a sua voz, e as suas palavras terão força de vida eterna. Abrir os ouvidos e o coração a Jesus é acolher as palavras sempre renovadoras do Evangelho. Deixamos de escutar Jesus quando o esquecemos e nos enredamos em discursos de palavras ocas, quando o que dizemos não se vê no que fazemos, quando pelo poder e pelo medo queremos dominar os outros e o mundo. E neste serviço de escutar, que só pode ser humilde como é a terra onde se lançam as sementes, é preciso escutarmo-nos e escutar todos. Escutar para dialogar, escutar para procurar caminhos mais humanos e divinos, escutar para iluminar.

Creio que o dom de escutar, que nos fazia procurar com gosto o P. Alberto, também lhe vinha daquela “atracção do mosteiro” que S. Bento lhe deixou, e do gosto da escuta de Deus. Como cultivamos, por entre as muitas vozes e a floresta de palavras e discursos, esta arte da escuta de Deus e dos outros? Que vozes acolhemos e se mantêm vivas dentro de nós?

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade

 

As leituras deste domingo convidam-nos a reflectir sobre a nossa “transfiguração”, a nossa conversão à vida nova de Deus; nesse sentido, são-nos apresentadas algumas pistas. 

  • A primeira leitura apresenta-nos Abraão, o modelo do crente. Com Abraão, somos convidados a “acreditar”, isto é, a uma atitude de confiança total, de aceitação radical, de entrega plena aos desígnios desse Deus que não falha e é sempre fiel às promessas.
  • A segunda leitura convida-nos a renunciar a essa atitude de orgulho, de auto-suficiência e de triunfalismo, resultantes do cumprimento de ritos externos; a nossa transfiguração resulta de uma verdadeira conversão do coração, construída dia a dia sob o signo da cruz, isto é, do amor e da entrega da vida.
  • O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Filho amado do Pai, cujo êxodo (a morte na cruz) concretiza a nossa libertação. O projecto libertador de Deus em Jesus não se realiza através de esquemas de poder e de triunfo, mas através da entrega da vida e do amor que se dá até à morte. É esse o caminho que nos conduz, a nós também, à transfiguração em Homens Novos.

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