16º Domingo do Tempo Comum - Ano C
“Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” Lc 10, 42
Entre os povos semitas a hospitalidade e o acolhimento sempre foram fundamentais. Abraão acolheu os três personagens (imortalizados pelo pintor A. Rublev num ícone) que lhe anunciaram o nascimento de um filho, e Marta e Maria receberam Jesus em sua casa. Na regra de S. Bento diz-se: “Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o Cristo, pois Ele próprio irá dizer: ‘Fui hóspede e me recebestes’” (n.53). Portugal vestiu-se de festa para receber a seleção de futebol vencedora do campeonato da Europa, e muitos também se alegraram com as vitórias no atletismo, pese a desproporção de entusiamo que o futebol gera. Que “melhor parte” escolhemos do que acontece e do que fazemos acontecer?
À vitória da seleção juntou-se a serenidade do testemunho de fé do seu treinador, Fernando Santos, tão diferente dos “lugares comuns religiosos” dos relatos dos jogos, em que tratou Jesus por amigo: “Por último, mas em primeiro, [desejo] ir falar com o meu maior amigo e sua mãe. Dedicar-Lhe esta conquista e agradecer-Lhe por ter sido convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para glória do Seu nome”. E quem não viu aquela criança com a camisola lusa, filho de pai francês e mãe portuguesa, que tinha escolhido apoiar Portugal porque “não tinha um título europeu” a consolar o adepto francês que chorava a derrota? Estas também são “melhores partes”!
Mais do que com coisas ou afazeres, a “melhor parte” tem a ver com as pessoas. É o modo como acolhemos e colocamos em segundo plano o que pode ser adiado, é a coragem de oferecer tempo e espaço para a manifestação do outro, é a pobreza que permite a manifestação de riquezas inesperadas. Abraão ofereceu o seu alimento e Maria sentou-se aos pés de Jesus a ouvi-l’O. Ainda que as tarefas de Marta fossem a preparação de uma refeição para o convidado, porque não libertar-se das “regras de etiqueta” e, quem sabe, chegar a perguntar: “E agora, Jesus, o que vamos fazer para o jantar?” Que horror, nunca uma mulher naquele tempo ousaria tal pergunta, pensarão alguns, mas a novidade da “melhor parte” estava mesmo a pedir essa mudança!
“Somos os convidados da vida. E temos que aprender a sermos bons convidados” é uma das várias frases (preciosas) de uma entrevista da revista “Visão” a George Steiner, o filósofo e ensaísta de 88 anos. Algumas “melhores partes” que sublinho: “É preciso ter tempo para procurar tempo. (…) Não há que ter medo do silêncio. (...) Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o silêncio em nós. (…) Se temos medo de errar, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos. (…) Em todos os lugares e situações há coisas a aprender. Nenhum lugar é chato se me dão uma mesa, bom café e alguns livros. Isso é uma pátria. ‘Nada humano me é alheio”.
A “melhor parte” que é Jesus leva-nos a descobrir e partilhar todas as “melhores partes” da vida. Mesmo na derrota e na paixão é possível descobri-las!
Padre Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
As leituras deste domingo convidam-nos a reflectir o tema da hospitalidade e do acolhimento. Sugerem, sobretudo, que a existência cristã é o acolhimento de Deus e das suas propostas; e que a acção (ainda que em favor dos irmãos) tem de partir de um verdadeiro encontro com Jesus e da escuta da Palavra de Jesus. É isso que permite encontrar o sentido da nossa acção e da nossa missão.
- A primeira leitura propõe-nos a figura patriarcal de Abraão. Nessa figura apresenta-se o modelo do homem que está atento a quem passa, que partilha tudo o que tem com o irmão que se atravessa no seu caminho e que encontra no hóspede que entra na sua tenda a figura do próprio Deus. Sugere-se, em consequência, que Deus não pode deixar de recompensar quem assim procede.
- No Evangelho, apresenta-se um outro quadro de hospitalidade e de acolhimento de Deus. Mas sugere-se que, para o cristão, acolher Deus na sua casa não é tanto embarcar num activismo desenfreado, mas sentar-se aos pés de Jesus, escutar as propostas que, n’Ele, o Pai nos faz e acolher a sua Palavra.
- A segunda leitura apresenta-nos a figura de um apóstolo (Paulo), para quem Cristo, as suas palavras e as suas propostas são a referência fundamental, o universo à volta do qual se constrói toda a vida. Para Paulo, o que é necessário é “acolher Cristo” e construir toda a vida à volta dos seus valores. É isso que é preponderante na experiência cristã.
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