1º Domingo de Quaresma - Ano B

18-02-2018 09:14

 

Não é lugar agradável para viver, o deserto. Mesmo quarenta dias, na referência clara aos quarenta anos do êxodo, não é algo que atraia. Se possível contornamo-los e evitamos que eles alastrem. Mas há desertos de areia, de terra ou gelo inóspitos, de calor ou frio inimagináveis, de incêndios ou de secas, e outros que se manifestam no mais íntimo do ser humano. Desertos de decisões difíceis e noites sem luz, de solidão e abandono, de indiferença e desesperança. Quem nunca experimentou um pequeno ou grande deserto? E nunca fizemos crescer deserto à nossa volta ou em redor de alguém?

Os evangelistas sinópticos narram, após o Baptismo, os quarenta dias de Jesus no deserto. Como se fosse um “treino” para a missão, Jesus foi tentado. Pode haver muitos modos de “ser messias”, mas um só para ser “salvador”. Desenvolvendo mais do que S. Marcos, que apenas diz que Jesus foi tentado, S. Mateus e S. Lucas narram três tentações fundamentais: substituir Deus pelo “ter, poder e parecer”. Seria a vitória do imediato e do fácil, do “deus em vez de nós” em vez do “Deus connosco”, da maquilhagem ou do espectáculo em vez da beleza e do amor profundos. Todas as tentações são possíveis, e todas as escolhas têm consequências. E onde estaria a grandeza e a liberdade humanas sem a possibilidade de escolher?

Jesus, como nós, não fará apenas as suas escolhas no início. Porque todo o “sim” implica vários “nãos”, elas repetem-se ao longo da vida. É verdade que, muitas vezes, vamos em “piloto automático”, mas é precisamente aí que é preciso renovar a coragem e a felicidade de uma escolha. Na nossa vida, como na de Jesus, fariseus e demónios, povo e governantes, mas também amigos íntimos como Pedro, põem à prova as escolhas fundamentais. Tanto o amor à verdade como a dor de erros e pecados podem ser desertos difíceis de atravessar. A certeza pascal é que Jesus nunca abandona ninguém, e até o deserto da morte pode florescer em vida abundante. Diante da fidelidade de Jesus à vontade de Deus em amar até ao fim, é-nos dada a graça de aprender com as nossas infidelidades.

Podemos ter de atravessar um ou vários desertos. Importante é não “desertar”, não fugir nem desistir da verdade, mas também não transformar tudo e todos em deserto. A Páscoa já encheu de fontes os desertos humanos, e o nosso trabalho (pois que graça teria se não estivéssemos implicados?!) é também encontrá-las, e dar de beber a quem morre de sede. Saboreio o início de um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen: “Para atravessar contigo o deserto do mundo / Para enfrentarmos juntos o terror da morte / Para ver a verdade para perder o medo / Ao lado dos teus passos caminhei.” Com quem atravessamos o deserto?

Pe. Virtos Gonçalves

in Voz da Verdade

 

No primeiro Domingo do Tempo da Quaresma, a liturgia garante-nos que Deus está interessado em destruir o velho mundo do egoísmo e do pecado e em oferecer aos homens um mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim.

  • A primeira leitura é um extracto da história do dilúvio. Diz-nos que Jahwéh, depois de eliminar o pecado que escraviza o homem e que corrompe o mundo, depõe o seu “arco de guerra”, vem ao encontro do homem, faz com ele uma Aliança incondicional de paz. A acção de Deus destina-se a fazer nascer uma nova humanidade, que percorra os caminhos do amor, da justiça, da vida verdadeira.
  • No Evangelho, Jesus mostra-nos como a renúncia a caminhos de egoísmo e de pecado e a aceitação dos projectos de Deus está na origem do nascimento desse mundo novo que Deus quer oferecer a todos os homens (o “Reino de Deus”). Aos seus discípulos Jesus pede – para que possam fazer parte da comunidade do “Reino” – a conversão e a adesão à Boa Nova que Ele próprio veio propor.
  • Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Baptismo, os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele veio oferecer. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, do serviço, do dom da vida; e, envolvidos nesse dinamismo de vida e de salvação que brota de Jesus, tornaram-se o princípio de uma nova humanidade.

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