23º Domingo do Tempo Comum - Ano C
“Quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo.” Lc 14, 33
Retoma-se esta “procura” com o ritmo do recomeço escolar, e também pastoral, das nossas comunidades, porventura depois de algum tempo de descanso e férias. Planos, programas, crise económica, seca, guerra sem fim na Ucrânia, permanência da Covid-19 (ainda que as restrições e precauções tenham aliviado), mantêm-nos em estado de alerta. Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, Sínodo dos Bispos e Consulta Sinodal a todo o Povo de Deus, pedofilia e escândalos sexuais na Igreja, exigem o nosso comprometimento. Parecem vir tão a propósito, de tudo o que vivemos, as leituras deste Domingo, convidando-nos a procurar a Sabedoria!
Inebriados pelo imediato é demasiado fácil desvalorizar o trabalho do pensamento, a coragem do debate, e a humildade de aprender. O capítulo nove do Livro da Sabedoria começa com esta oração de Salomão: “Deus dos nossos pais e Senhor de misericórdia, / […] / dá-me a sabedoria que se senta junto do teu trono / e não me excluas do número dos teus filhos.” (cf Sab 9, 1-4). Mais de uma dezena de palavras da leitura de hoje apelam ao conhecimento: conhecer, pensamentos, espírito que pensa, compreender, descobrir, sabedoria… Não basta pedir a Sabedoria; é preciso usar a inteligência e o coração para a encontrar e receber de Deus!
À lógica da escravatura e da condenação que percorre a carta a Filémon, S. Paulo apela à sabedoria da fraternidade e do perdão. Só esta liberta e abre caminhos de futuro. Não poderíamos encontrar algumas “novas escravaturas” que se instalam no quotidiano, com a subtileza de felicidades imediatas? É melhor não pensar muito nisso, não é?
E quem melhor que Jesus Cristo para nos ensinar a verdadeira sabedoria? Com dois exemplos, a construção de uma torre e o começo de uma guerra, convida-nos a “sentar” para “calcular e considerar”. Considerar os prós e os contras de dois projectos. Num e noutro manifesta-se muito da ambição e arrogância humanas. Quantas “torres”, pirâmides, arranha-céus, “babéis” da história humana, se ergueram à custa de vidas e sangue de muitos, para ostentação de vaidades efémeras? E quantas guerras se iniciaram, e se mantêm, deixando rastros de destruição e morte, em nome de que valores humanos? E não pensemos apenas nas torres e guerras de impérios; olhemos para as nossas torres e guerras caseiras! Preferir Jesus não significa esquecer ou desprezar familiares e amigos, mas substituir a lógica de “clãs e tribos fechados” pela fraternidade de “todos”. Renunciar aos bens é recusar a acumulação egoísta e utilizá-los, sabiamente, para o maior bem de todos. Na verdade, calcular e considerar dá muito trabalho!
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
A liturgia deste domingo convida-nos a tomar consciência de quanto é exigente o caminho do "Reino". Optar pelo "Reino" não é escolher um caminho de facilidade, mas sim aceitar percorrer um caminho de renúncia e de dom da vida.
- É, sobretudo, o Evangelho que traça as coordenadas do "caminho do discípulo": é um caminho em que o "Reino" deve ter a primazia sobre as pessoas que amamos, sobre os nossos bens, sobre os nossos próprios interesses e esquemas pessoais. Quem tomar contacto com esta proposta tem de pensar seriamente se a quer acolher, se tem forças para a acolher... Jesus não admite meios-termos: ou se aceita o "Reino" e se embarca nessa aventura a tempo inteiro e "a fundo perdido", ou não vale a pena começar algo que não vai levar a lado nenhum (porque não é um caminho que se percorra com hesitações e com "meias tintas").
- A primeira leitura lembra a todos aqueles que não conseguem decidir-se pelo "Reino" que só em Deus é possível encontrar a verdadeira felicidade e o sentido da vida. Há, portanto, aí, um encorajamento implícito a aderir ao "Reino": embora exigente, é um caminho que leva à felicidade plena.
- A segunda leitura recorda que o amor é o valor fundamental, para todos os que aceitam a dinâmica do "Reino"; só ele permite descobrir a igualdade de todos os homens, filhos do mesmo Pai e irmãos em Cristo. Aceitar viver na lógica do "Reino" é reconhecer em cada homem um irmão e agir em consequência.