16º Domingo do Tempo Comum - Ano C
“Sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra.” Lc 10, 39
Diz o nosso povo que Deus nos deu duas orelhas e só uma boca para podermos ouvir o dobro do que falamos. Lembro o que José Carlos Bermejo, um religioso camiliano que dirige o Centro de Humanização da Saúde em Madrid, chamava às orelhas as “sagradas patenas”, onde se recolhe o dizer-se de cada pessoa, nomeadamente de quem sofre. Por isso, acrescentava, “não é necessário falar tanto de Deus, mas escutar Cristo no outro, no que sofre”!
O verdadeiro acolhimento é sempre um encontro pessoal, centrado no ser das pessoas e subordinando todas as circunstâncias à relação única que ali se estabelece. Pode confluir para uma festa de partilha de refeição e de dons, como a refeição que Abraão e Sara preparam e a preocupação de Marta revela, mas o encontro vale por si e isso implica disponibilidade e despojamento. O maior bem que se pode partilhar é a comunhão de vida interpessoal, a delicadeza da mútua revelação, como se cada um se sentasse aos pés do outro, ao jeito de Maria.
Como é possível viver em acolhimento quando a rapidez e a eficácia marcam tanto as nossas vidas? Que escolhas temos de fazer para não passarmos pelas vidas uns dos outros como veículos a alta velocidade numa auto-estrada? Pode este tempo a que chamamos férias ser ocasião para aprender mais a ouvir? E a ouvir os nossos próprios clamores e angústias! Com o sabor da escuta de quem gosta de estar com quem ama, lembro a experiência daquele pároco que, impressionado com a serenidade orante de um seu paroquiano lhe perguntou: “Desculpe, quando reza, o que é que diz a Deus?”. “Eu não digo nada. Só escuto”, retorquiu-lhe o indagado. “Ah!”, insistiu o padre, “E então, o que é que Deus lhe diz?”. “Não diz nada. Deus também só escuta”, concluiu o paroquiano. Porque é da sua “especialidade” escutar, e bem escuta quem bem ama.
Jesus aponta Maria como modelo de acolhimento. Não para desvalorizar a atitude de Marta, mas para sublinhar a importância do ser e do estar antes do fazer. Em comunidade cristã é urgente aprofundarmos este serviço da escuta: de nós, de Deus e dos outros, de Deus em nós e nos outros. Escutar para crescer em comunhão e compromisso com o que é importante fazer, escutar porque a verdade é sinfónica e cada um traz em si parte da melodia, escutar para que as palavras sejam criadoras. E então, tudo o que fizermos, será mesmo o necessário. Sim, escutamos bem quando amamos, e essa é sempre a melhor parte!
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
As leituras deste domingo convidam-nos a reflectir o tema da hospitalidade e do acolhimento. Sugerem, sobretudo, que a existência cristã é o acolhimento de Deus e das suas propostas; e que a acção (ainda que em favor dos irmãos) tem de partir de um verdadeiro encontro com Jesus e da escuta da Palavra de Jesus. É isso que permite encontrar o sentido da nossa acção e da nossa missão.
- A primeira leitura propõe-nos a figura patriarcal de Abraão. Nessa figura apresenta-se o modelo do homem que está atento a quem passa, que partilha tudo o que tem com o irmão que se atravessa no seu caminho e que encontra no hóspede que entra na sua tenda a figura do próprio Deus. Sugere-se, em consequência, que Deus não pode deixar de recompensar quem assim procede.
- No Evangelho, apresenta-se um outro quadro de hospitalidade e de acolhimento de Deus. Mas sugere-se que, para o cristão, acolher Deus na sua casa não é tanto embarcar num activismo desenfreado, mas sentar-se aos pés de Jesus, escutar as propostas que, n'Ele, o Pai nos faz e acolher a sua Palavra.
- A segunda leitura apresenta-nos a figura de um apóstolo (Paulo), para quem Cristo, as suas palavras e as suas propostas são a referência fundamental, o universo à volta do qual se constrói toda a vida. Para Paulo, o que é necessário é "acolher Cristo" e construir toda a vida à volta dos seus valores. É isso que é preponderante na experiência cristã.
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho