14º Domingo do Tempo Comum - Ano C
“Designou o Senhor setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois à sua frente.” Lc 10, 1
Em vários campos da existência humana, e especialmente no que se refere às relações entre as pessoas, se constata a aplicação de uma expressão “adaptada” de um romance de George Orwell, que poderia soar assim: “somos todos iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. Sem pôr em causa a riqueza das diferenças que caracterizam povos, culturas e o dom único de cada pessoa, é fácil reconhecer que vivemos num mundo e num tempo escandalosamente desigual em condições de vida, paz e justiça, oportunidades de desenvolvimento, enfim, de dignidade humana. De facto, quando falamos de “todos”, é preciso pôr de parte o egoísmo e a ganância que, “normalmente” justificam as desigualdades!
O envio que Jesus fez dos setenta e dois discípulos (que só aparece no evangelho de Lucas) funciona para mim como um despertador. Obriga-me a levantar os olhos do “umbigo” em que tanta da minha “vida eclesial” me ocupa, para o horizonte largo do mundo, as “nações” (realidades, periferias, pessoas) a que Jesus envia os apóstolos. Não apenas os Doze, mas “todos”, este pronome indefinido (não vago, mas sem fim, para que ninguém fique de fora), que me inclui e inclui todos os baptizados. Não somos só chamados a viver a alegria e o encanto da fé; se acreditamos em Jesus desejamos partilhá-l’O com todos. E não é preciso ir para terras distantes ou aprender línguas estranhas: ao jeito de Jesus, sem impor, mas contagiando, faz-se ao nosso lado, em casa, no prédio, na rua, nas associações, naquilo que importa ajudar a fazer mais humano, mais justo e belo, mais para que todos tenham “vida em abundância”. Todos a todos. É preciso, como dizia Madeleine Delbrêl (1904-1964) fazer a escolha: “Ou missão, ou demissão!”
O evangelho apresenta-nos os meios e as acções que Jesus indica para a missão. É bom escutá-los de novo. E até concretizá-los em “conselhos”, como fez, em desenhos, o P. José Luís Cortés, da Diocese de Madrid: “1. Antes de começar qualquer missão, que Deus transborde do teu coração; 2. Para toda a missão é importante que o missionário tenha bom humor; 3. Antes de tudo, para ser eficiente, é preciso conhecer os problemas das pessoas; 4. Usa sempre, quando quiseres que aprendam, uma linguagem que todos entendam; 5. Pensa que nada convence mais do que o teu exemplo de vida pessoal; 6. Faz boas obras, como Cristo que passou por esta terra fazendo o bem; 7. Não te conformes com a caridade: descobre e procura as causas do mal; 8. E fala do Evangelho sem pudor, sem infantilismo, e com paixão. Pode fazer-se tudo isto sozinho? É melhor em companhia. Dois a dois!”
Não há missionários “autodidatas”, heróis solitários, em “nome pessoal”. “Dois a dois” não é para “poderem rezar os salmos do breviário em coro”, mas significa a condição comunitária do evangelho e da vida cristã. Nenhum cristão age sozinho: sempre com Cristo e em comunhão com os irmãos!
Pe. Vitor Gonçalves
in Voz da Verdade
Embora as leituras de hoje nos projectem em sentidos diversos, domina a temática do “envio”: na figura dos 72 discípulos do Evangelho, na figura do profeta anónimo que fala aos habitantes de Jerusalém do Deus que os ama, ou na figura do apóstolo Paulo que anuncia a glória da cruz, somos convidados a tomar consciência de que Deus nos envia a testemunhar o seu Reino.
É, sobretudo, no Evangelho que a temática do “envio” aparece mais desenvolvida. Os discípulos de Jesus são enviados ao mundo para continuar a obra libertadora que Jesus começou e para propor a Boa Nova do Reino aos homens de toda a terra, sem excepção; devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Na acção dos discípulos, torna-se realidade a vitória do Reino sobre tudo o que oprime e escraviza o homem.
Na primeira leitura, apresenta-se a palavra de um profeta anónimo, enviado a proclamar o amor de pai e de mãe que Deus tem pelo seu Povo. O profeta é sempre um enviado que, em nome de Deus, consola os homens, liberta-os do medo e acena-lhes com a esperança do mundo novo que está para chegar.
Na segunda leitura, o apóstolo Paulo deixa claro qual o caminho que o apóstolo deve percorrer: não o podem mover interesses de orgulho e de glória, mas apenas o testemunho da cruz – isto é, o testemunho desse Jesus, que amou radicalmente e fez da sua vida um dom a todos. Mesmo no sofrimento, o apóstolo tem de testemunhar, com a própria vida, o amor radical; é daí que nasce a vida nova do Homem Novo.
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho