V Domingo da Quaresma - Ano C

07-04-2019 08:38

 

 

 

 

 

“Disse então Jesus: «Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar»”. Lc 8, 11

 

 

São de paixão as repetidas notícias de violência em contexto familiar, a que se dá o nome de “violência doméstica”. Explosões de muitas violências caladas e amordaçadas por medo e opressão, injustificáveis e desumanas, onde a lei do mais forte fere e mata os mais fracos, na maioria dos casos, crianças e mulheres. É a continuada Paixão de Cristo que tanto se identificou com os mais pequeninos, onde a indiferença de muitos e os preconceitos de outros continuam a permitir calvários! 

É com extrema violência que uma mulher, apanhada em adultério, é levada por escribas e fariseus até Jesus. Sozinha, no meio dos presentes, transformada em objecto, qual rato de laboratório, corre risco de vida, e nem aquele mestre parece ter poder para evitar o peso da Lei. Jesus, sentado como mestre que ensina, recusa o debate de ideias. Quantos mortos causaram na história da humanidade os debates de ideias? Inclina-se a escrever com o dedo no chão, e ao longo dos tempos muitos perguntarão que palavras teria escrito. Só uma outra passagem da Escritura fala de alguém que escreve com o dedo: Deus, nas tábuas da lei que entregou a Moisés no Sinais (Ex. 31, 18). Perante a insistência dos acusadores, Jesus levanta-se e interpela cada um ao reflexo da própria vida. Ninguém é superior a outro, a ninguém pode ser dado o poder de tirar a vida, e muito menos, usar o nome de Deus para se desresponsabilizar.  

Não os confrontando com o seu olhar, Jesus inclina-se de novo e volta a escrever no chão. Acabam por ficar só Ele e a mulher. Agora, sim, há um olhar e um diálogo. Foi importante a pergunta de Jesus, que a trata por “Mulher”, reconhecendo nela a humanidade e a dignidade a salvar, uma história que pode ter um novo rumo. Como foi importante a resposta dela: “Ninguém, Senhor!”, expectante de algo profundamente novo e recriador que Jesus pode fazer. E como para Deus, mais importante do que “de onde vimos” é “para onde vamos”, as palavras de Jesus abrem um futuro novo e luminoso. Não é posta em causa a ferida que trazia, mas não se cura a doença com a morte do doente e sim com o remédio que traz saúde. Uma Lei, uma religião, uma ideia que leva à morte de quem falha, esquece o essencial da encarnação: estamos a caminho, e Deus nunca desiste de ninguém!

Quando deixamos de nos olhar bem no fundo dos olhos uns dos outros, quando legalismos e preceitos se tornam mais importantes do que a história de cada um, quando nos julgamos “mais” e “melhores” que outros e caímos na armadilha das comparações, diminuímos em humanidade. Não adianta “envernizar” o que é desumano com camadas de religiosidade ou preconceitos que aprisionam: se não há “caminho para andar” com outros (como canta o Jorge Palma), naquilo que digo e que faço, posso até achar-me muito certo e poderoso, mas estou mais morto que vivo! Para onde vamos?

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade

 

A liturgia de hoje fala-nos (outra vez) de um Deus que ama e cujo amor nos desafia a ultrapassar as nossas escravidões para chegar à vida nova, à ressurreição.

  • A primeira leitura apresenta-nos o Deus libertador, que acompanha com solicitude e amor a caminhada do seu Povo para a liberdade. Esse “caminho” é o paradigma dessa outra libertação que Deus nos convida a fazer neste tempo de Quaresma e que nos levará à Terra Prometida onde corre a vida nova.
  • A segunda leitura é um desafio a libertar-nos do “lixo” que impede a descoberta do fundamental: a comunhão com Cristo, a identificação com Cristo, princípio da nossa ressurreição.
  • O Evangelho diz-nos que, na perspectiva de Deus, não são o castigo e a intolerância que resolvem o problema do mal e do pecado; só o amor e a misericórdia geram activamente vida e fazem nascer o homem novo. É esta lógica – a lógica de Deus – que somos convidados a assumir na nossa relação com os irmãos.
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