Solenidade da Santíssima Trindade - Ano A

07-06-2020 09:56

“Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito.” Jo 3, 16 

 

Regresso a esta “procura” como se tivesse atravessado uma imensa noite em silêncio. Houve palavras e luzes nestes tempos de quarentena e confinamento, em livros, notícias e muitas imagens. E mil e um sinais de uma humanidade a procurar vencer o vírus Covid, e a não deixar instalarem-se outros com nomes mais simples, mas também mortais: indiferença, isolamento, irresponsabilidade, ganância, guerra. Guiaram-me palavras de muitos e imagens de tantos: quem esquecerá os passos hesitantes do Papa Francisco a atravessar a Praça de S. Pedro deserta? E estávamos lá todos nós!

Podemos dizer que nenhum padre celebra sozinho, mas é doloroso só imaginar os que ali não podem estar. Claro que a rádio e a internet alargaram as comunidades, mas não é mesma coisa. E o mistério da comunhão ganhou em humildade: o “nós”, que Deus é na sua Trindade, ressoa nas orações e no coração. Ainda que pareçam fortes a solidão e o medo, a vida pede comunhão.

Uma primeira luz destes dias foi o pequeno livro do cientista e teólogo jesuíta Teilhard de Chardin, “Missa sobre o mundo”. Em pleno deserto dos Ordos, na Mongólia Interior, numa expedição científica em 1923, o P. Chardin viu-se impossibilitado de celebrar missa na Transfiguração do Senhor, uma festa que lhe era muito querida. E isso inspirou-o a escrever este texto maravilhoso: “Quando Cristo desce sacramentalmente entrando em cada um dos seus fiéis, não é apenas para conversar com ele […] quando diz, por meio do sacerdote: “Isto é o meu corpo”; estas palavras transbordam o pedaço de pão sobre o qual são pronunciadas: fazem nascer o Corpo Místico na sua completude. Para lá da Hóstia transubstanciada, a operação sacerdotal estende-se ao próprio Cosmos. […] A Matéria inteira sofre, lenta e irresistivelmente, a grande Consagração.”

Dos muitos cartoons com que o humor nos tem ajudado na luta contra esta pandemia, relembro a pequena luz de um desenho em que o diabo dizia a Deus: “Com o covid-19 eu fechei as suas igrejas!”. Ao que Deus respondeu: “E eu abri uma em cada casa!” Eis um feliz fruto do confinamento: redescobrir os espaços familiares e de resguardo como lugares onde Deus habita. E como celebramos, lemos e discutimos a palavra de Deus, rezamos na cozinha, na sala ou no quarto. Sabemos que não é fácil, mas descobrimos que é possível. E faz-nos bem!

Queremos voltar ao que perdemos, e assusta-nos o que tem de ser novo. Também foi difícil abandonar a ideia de um Deus omnipotente e solitário e abraçar o Deus que só ama e é comunhão. Um abraço que não pode ser virtual, mas real. E partilho a terceira pequena luz. Do “Livro de Horas”, de Rainer Maria Rilke: “Por alguém já te ter querido / sei que te podemos querer. / Ainda que toda a profundidade não quiséssemos ter / quando uma montanha ouro tem escondido / e mais ninguém a quer escavar, / um rio acaba por à luz do dia o mostrar, / porque o silêncio das pedras pôde prender, / sendo ele pleno. // Mesmo que o nosso querer seja pequeno: / Deus está a amadurecer.”

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade

 

 

Pe. Vitor Gonçalves

Rádio Renascença

 

 

A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.

  • Na primeira leitura, o Deus da comunhão e da aliança, apostado em estabelecer laços familiares com o homem, auto-apresenta-Se: Ele é clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia.
  • Na segunda leitura, Paulo expressa - através da fórmula litúrgica "a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco" - a realidade de um Deus que é comunhão, que é família e que pretende atrair os homens para essa dinâmica de amor.
  • No Evangelho, João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva. Nesta fantástica história de amor (que vai até ao dom da vida do Filho único e amado), plasma-se a grandeza do coração de Deus.

Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org