IV Domingo da Quaresma - Ano A

30-03-2014 08:26

 

"Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo.”

Jo 9, 25

 

Podemos falar de muitas cegueiras. Dos olhos, dos preconceitos, do coração. Involuntárias e voluntárias. A cegueira de ficar preso ao passado e a de só ter olhos para o futuro. Ver é um dom e um caminho, é um impacto sobre os maravilhosos receptores a que chamamos olhos, e também a possibilidade de interpretar o visível, quando não, até “ver o invisível”, esse essencial de que falava Saint-Exupéry, apenas acessível pelo coração. Mas vemos com outros, e dos muitos pontos de vista podemos ver melhor.    

 

Nas sete cenas do capítulo 9 de São João, Jesus e o cego que passa a ver, apenas se encontram na primeira e na última. As outras são o desenrolar de provas e conflitos a que o ex-cego é submetido, num espantoso caminho de fé. Jesus toma a iniciativa de curar com gestos que têm o sabor da criação: lodo feito de terra e saliva, como o barro modelado e o hálito com que Deus fez o primeiro homem. Um homem para a luz, também ela a primeira obra da criação. Para o cego, que só verá Jesus no final, a identidade de Jesus vai-se aclarando com os interrogatórios: primeiro é “esse homem que se chama Jesus”, depois “um profeta”, “se Ele não viesse de Deus nada podia fazer”, até o reconhecer como “Senhor”. Por entre as dificuldades sentimos crescer a coragem e a audácia deste homem. Já não é um “coitadinho” (exclamação que certamente ouviu muitas vezes), mas alguém com voz própria, capaz de atrapalhar a lógica escurecida e fechada dos fariseus e dos judeus, interpelando com ironia, e denunciando a cegueira de quem tudo afirma saber mas não está disposto a deixar-se interpelar por Cristo. É a religião que tudo controla, tudo domina e tudo sabe, incapaz de se alegrar com os milagres “fora do horário estabelecido” e com a surpresa de Deus não se limitar aos seus conceitos. É tão fácil colar rótulos, de “pecador”, como a este homem, ou tantos outros que prolongam a cegueira de quem os pronuncia, rejeitando pessoas e o que podemos aprender com elas!

Quando o cego que passou a ver é expulso, sem família e sem religião, sem herança nem abrigo (e talvez sem “emprego”, pois dum cego sempre há quem se compadeça e deixe algumas moedas nas suas mãos), Jesus vem ao seu encontro. Sempre nos confrontará esta predileção de Deus pelos excluídos, pelos abandonados, pelos que não têm lugar nos nossos círculos familiares e religiosos, mas sempre encontrarão lugar no coração de Deus. De Jesus conheceria aquele homem, o toque das mãos e o timbre da voz. O rosto nunca o tinha visto. E contudo já o seu coração estava próximo dele. O breve diálogo conduz à fé, a verdadeira iluminação, a passagem à visão verdadeira que só Jesus pode oferecer. Afinal quem julgava ver é que era cego. E cegos continuaremos se deixamos de procurar, se recusamos a luz que outros nos oferecem, se excluímos e abandonamos, se não nos alegramos com os milagres inesperados!

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade

 

 

As leituras deste Domingo propõem-nos o tema da “luz”. Definem a experiência cristã como “viver na luz”.

  • No Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é libertar os homens das trevas do egoísmo, do orgulho e da auto-suficiência. Aderir à proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que conduz à vida plena. Da acção de Jesus nasce, assim, o Homem Novo – isto é, o Homem elevado às suas máximas potencialidades pela comunicação do Espírito de Jesus.
  • Na segunda leitura, Paulo propõe aos cristãos de Éfeso que recusem viver à margem de Deus (“trevas”) e que escolham a “luz”. Em concreto, Paulo explica que viver na “luz” é praticar as obras de Deus (a bondade, a justiça e a verdade).
  • A primeira leitura não se refere directamente ao tema da “luz” (o tema central na liturgia deste domingo). No entanto, conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção: é um óptimo pretexto para reflectirmos sobre a unção que recebemos no dia do nosso Baptismo e que nos constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo.

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