I Domingo da Quaresma - Ano C

10-03-2019 08:57

 

 

 

“Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.” Lc 4, 13

 

Que é um rito? perguntou o principezinho. – É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas.” Com o desejo constante de novidade, é fácil esquecer a importância dos ritos. Eles trabalham com a memória, essa história que se consolida no interior de cada um de nós e parece estar em défice cada vez maior até nos mais novos. Memória que é também rampa de lançamento para um futuro sempre em construção. Mas não serão a memória e o futuro, duas dimensões que mais nos faltam?  

Entrámos na Quaresma com o rito das cinzas. Iremos terminá-la na vigília pascal com fogo, água e luz. Realidades bem palpáveis da vida, neste processo de transformação e crescimento. Evocam um caminho, de despojamento dos nossos disfarces e revelação da nossa autenticidade. De quem somos e do que somos chamados a ser. É um caminho interior, não apenas pelo íntimo de cada um, mas pelo íntimo dos grupos, das instituições, da cidade onde a comunhão entrelaça as nossa vidas e a divisão destrói tanta esperança. Sim, as cinzas evocam fim, perda e dor, derrota e tristeza que não podem ser fantasiadas. Mas são também transformação, pó que de novo pode ser amassado e receber um espírito de vida, fertilizante para sementes que ainda não germinaram. 

As provas que Jesus teve de enfrentar para ser fiel a Deus e a nós nunca deixaram indiferentes os seus discípulos. Percebemos que são também as nossas, e se espalham ao longo da vida. Até no momento extremo da cruz, Jesus as experimentou. Elas não são uma espécie de “iniciação” ou “recruta” que só se faz uma vez. Têm a marca da escolha quotidiana, onde se revela a novidade de Deus e a grandeza humana. Em Jesus, Deus mostra que não se serve do seu poder para superar os sofrimentos que cada pessoa vive; que está para servir e não para dominar; que a confiança em Deus é mais importante do que qualquer milagre. As suas respostas às tentações do Diabo brotam da Escritura, e podemos fazê-las também nossas. Fecharmo-nos em nós, nas nossas dificuldades e sofrimentos, ou no uso egoísta dos bens, sem pensar nos outros é diabólico. Viver usando e abusando dos outros, dominando e explorando, privando-os de liberdade e direitos é diabólico. Exigir “milagres” de Deus, formas fáceis de ultrapassar as provas da vida, é diabólico. Não conhecemos estas “diabolizações” (divisões) também em nós?

Quantas quaresmas já viveu cada um de nós? Quantos desejos de renovação e crescimento? E fizemo-los sozinhos, com outros, com Deus? Porque “tem de ser”, “sempre se fez”, “é tradição”? Repetindo ou reinventando? A “mexer” por dentro de nós ou a “envernizar” aparências? Com “máscara quaresmal” ou “rosto lavado” pascal? A que vamos dizer “não” para poder dizer um “sim” mais corajoso e feliz?

 

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade

 

No início da Quaresma, a Palavra de Deus apela a repensar as nossas opções de vida e a tomar consciência dessas “tentações” que nos impedem de renascer para a vida nova, para a vida de Deus.

  • A primeira leitura convida-nos a eliminar os falsos deuses em quem às vezes apostamos tudo e a fazer de Deus a nossa referência fundamental. Alerta-nos, na mesma lógica, contra a tentação do orgulho e da auto-suficiência, que nos levam a caminhos de egoísmo e de desumanidade, de desgraça e de morte.
  • O Evangelho apresenta-nos uma catequese sobre as opções de Jesus. Lucas sugere que Jesus recusou radicalmente um caminho de materialismo, de poder, de êxito fácil, pois o plano de Deus não passava pelo egoísmo, mas pela partilha; não passava pelo autoritarismo, mas pelo serviço; não passava por manifestações espectaculares que impressionam as massas, mas por uma proposta de vida plena, apresentada com simplicidade e amor. É claro que é esse caminho que é sugerido aos que seguem Jesus.
  • A segunda leitura convida-nos a prescindir de uma atitude arrogante e auto-suficiente em relação à salvação que Deus nos oferece: a salvação não é uma conquista nossa, mas um dom gratuito de Deus. É preciso, pois, “converter-se” a Jesus, isto é, reconhecê-l’O como o “Senhor” e acolher no coração a salvação que, em Jesus, Deus nos propõe.

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