4º Domingo do Tempo Comum Ano A

29-01-2017 09:17

 

 

 

 

 

 

 

“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus.” Mt 5, 3

 

 

Com as bem-aventuranças estamos sempre a começar de novo!” Assim diz um amigo meu que, há anos, costuma fazer um original propósito de “ano novo”. Lê e medita o início do sermão da montanha de São Mateus, e começa a escrever a lista pessoal das felicidades que, com a experiência do ano passado, vai procurar viver ao longo do ano. Olha para as pequenas e grandes felicidades dos que o rodeiam, para as pequenas e grandes necessidades em que pode agir, e acolhe a ousadia e a surpresa que “Deus quiser apontar”!

 

Há uma dificuldade séria de as religiões lidarem com a felicidade. Talvez o desejo de perfeição projecte um rosto de Deus constantemente insatisfeito com as imperfeições humanas, e quase invejoso do prazer de viver. Será que a fé anda de mãos dadas com a felicidade? Pelo menos irradiamo-la os que nos dizemos religiosos? Encanta-me que Jesus comece, em S. Mateus, o seu discurso da montanha, com esta “carta magna da felicidade”, iniciada pela primeira palavra usada por David, que também foi a última de Moisés: “Felizes”! O desejo mais profundo do ser humano não é simplesmente um dom, mas um trabalho. Aprendemos e especializamo-nos em ser e fazer outros felizes.

O que sucederia se todos os pais e educadores lessem as bem-aventuranças como uma fórmula mágica para a sua missão? Independentemente da fé e de serem cristãos ou não, que renovação poderia trazer ao desencanto e desistência com que lidam com filhos e alunos? Porque andamos enganados e a enganar-nos com “instruções” de felicidade aumentam a infelicidade. De entre as muitas “instruções” erradas, que seria bom descobrirmos, partilho três, referidas por José António Pagola, um teólogo espanhol: “Se não tens êxito, não vales nada!”; “Se queres ter êxito, tens de valer mais do que os outros!”; “Se não respondes às expectativas, não podes ser feliz!”. Quase sem darmos conta, e quando damos as urgências da vida são tantas!..., andamos mal programados. Gostaríamos de mudar o mundo e as condições exteriores, mas as primeiras mudanças são interiores, e esse é o trabalho que a felicidade dá. Havia muita injustiça e violência no tempo de Jesus, enorme desigualdade e demasiados excluídos, e muitos esperavam que Ele viesse guiar a revolução contra os opressores. O maior choque das “bem-aventuranças” é a mudança interior que reclama aos que as leem. E o choque seguinte é emoldurá-las num bonito e devoto quadro para pôr numa sala da igreja!

 

Na desvalorização geral do trabalho humano, em que a lógica da felicidade se escreve com “sorte” e “esperteza”, a convocatória para este trabalho feliz que Jesus propõe será sempre uma novidade. Na língua e mentalidade hebraicas “felizes” é dito daqueles que abrem caminhos novos, belos e bons, de vida nova. Sentimo-nos contratados para este trabalho, ou esperamos que algum “subsídio de felicidade” venha não sabemos bem donde?

Pe. Vitor Gonçalves

 

As leituras deste domingo propõem-nos uma reflexão sobre o “Reino” e a sua lógica. Mostram que o projecto de Deus – o projecto do “Reino” – roda em sentido contrário à lógica do mundo… Nos esquemas de Deus – ao contrário dos esquemas do mundo – são os pobres, os humildes, os que aceitaram despir-se do egoísmo, do orgulho, dos próprios interesses que são verdadeiramente felizes. O “Reino” é para eles.

  • Na primeira leitura, o profeta Sofonias denuncia o orgulho e a auto-suficiência dos ricos e dos poderosos e convida o Povo de Deus a converter-se à pobreza. Os “pobres” são aqueles que se entregam nas mãos de Deus com humildade e confiança, que acolhem com amor as suas propostas e que são justos e solidários com os irmãos.
  • Na segunda leitura, Paulo denuncia a atitude daqueles que colocam a sua esperança e a sua segurança em pessoas ou em esquemas humanos e que assumem atitudes de orgulho e de auto-suficiência; e convida os crentes a encontrar em Cristo crucificado a verdadeira sabedoria que conduz à salvação e à vida plena.
  • O Evangelho apresenta a magna carta do “Reino”. Proclama “bem-aventurados” os pobres, os mansos, os que choram, os que procuram cumprir fielmente a vontade de Deus, porque já vivem na lógica do “Reino”; e recomenda aos crentes a misericórdia, a sinceridade de coração, a luta pela paz, a perseverança diante das perseguições: essas são as atitudes que correspondem ao compromisso pelo “Reino”.

 

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