10º Domingo do Tempo Comum - Ano C

05-06-2016 08:07

 

 

“Jovem, eu te ordeno: Levanta-te!” Lc 7, 7

 

 

Mais do que a monumentalidade da Praça de S. Pedro, impressiona a multiplicidade de rostos, línguas e bandeiras. É uma experiência de universalidade inesquecível, e a conversa com um casal de Bergamo (a terra natal do Papa S. João XXII, que motiva um diálogo em ‘portitalianol’) recorda como são tantas as pequenas coisas que nos unem. À espera da vinda do Papa Francisco manifestam-se os diferentes grupos com cânticos, bandeiras e até uma banda começa a dar-nos música. Uma voz anuncia os diferentes grupos presentes. Daqui ao cortejo fúnebre que Jesus fez parar, comovido pela dor da mãe que chorava a morte do seu filho, vai um salto imenso, e não parece haver ponte. Mas nada disto faria sentido sem os gestos e palavras salvadoras de Jesus.

O grande “salto” é da iniciativa de Deus. Entrar na humanidade com corpo de homem, submetido ao tempo e ao espaço, na condição de crescer e desenvolver-se como nós é um salto incomensurável. Um salto espantoso de humildade que nos eleva ao que nunca poderíamos imaginar. Nunca a humanidade tinha pedido a Deus algo tão inimaginável e maravilhoso. Pelo contrário, as religiões estruturam e institucionalizam mais a distância do que a proximidade. Um Deus connosco vem unir o céu à terra, vem divinizar a vida humana, exige relações de amor e não de servidão, revela a criação como manifestação da sua glória que não podemos descurar. Podemos pedir tudo, mas a dádiva de Deus ultrapassa tudo o que pedirmos.

Na ressurreição do filho da viúva de Naim, ao contrário da maior parte dos milagres, ninguém pede nada a Jesus. A iniciativa é sua, brota do seu coração compadecido, e aponta a ressurreição que irá deter o abismo fatal da morte para a humanidade. Esse será o salto supremo, desejo íntimo da humanidade criada à imagem de Deus. Desejo antecipado nas “mil e uma ressurreições” quotidianas, quando as iniciativas de amor e misericórdia nos fazem deter os “cortejos fúnebres” da indiferença, da soberba, da guerra e da miséria.

Nestas ruas de Roma recordo o gesto inesperado do poeta Rainer Maria Rilke ao oferecer, a uma pedinte de uma destas ruas, uma rosa. Imagino a surpresa dos seus olhos e o salto no coração pela beleza concentrada naquela flor. Nos três dias seguintes “viveu da rosa”, como respondeu o poeta ao seu amigo. A beleza convida-nos a um salto redentor: largar as cadeias da simples sobrevivência, ver para além da tentação de possuir, viver do que alimenta o espírito e na morte quotidiana difunde a eternidade. A mão de Jesus que ergue o jovem morto tem a beleza do gesto criador de Deus que Michelangelo plasmou no tecto da Capela Sistina. E todas as ressurreições nos lembram que só a beleza salva o mundo. Como dizia o poeta António Botto: “O mais importante na vida é ser-se criador – criar beleza.” Que salto para a beleza nos falta ainda dar?

Pe. Vitor Gonçalves

in Voz da Verdade